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Quem conhece a agenda BC# sabe que o Bacen, reconhecido internacionalmente pelo seu desempenho inovador, segue focado no alcance do seu principal objetivo: a democratização financeira. Mudanças claras oriundas das diretrizes desta agenda são o Pix, open finance, Sandbox regulatório (LIFT), atualização de políticas de segurança cibernética e muitas outras mudanças que talvez só sejam perceptíveis aos players do mercado financeiro, mas que sempre acabam impactando empresas, instituições e pessoas.

O próximo passo desta agenda de inovação é o Real Digital. No dia 06 de março de 2023, o Banco Central fez o anúncio do seu mais novo projeto de CBDC (Central Bank Digital Currency). O evento marcou o início do cronograma de entregas de mais uma novidade para o mercado financeiro nacional, que tem previsão para disponibilização dos novos serviços ao usuário final entre fim de 2024 e início de 2025.

Foram compartilhadas novas diretrizes que estão por trás do Real Digital e são elas:

1ª Ênfase no desenvolvimento de modelos inovadores com a incorporação de tecnologias, como contratos inteligentes (smart contracts) e dinheiro programável, compatível com liquidação de operações por meio da internet das coisas (IoT).

2ª Foco no desenvolvimento de aplicações online, mantendo em vista a possibilidade de pagamentos offline.

3ª Emissão do Real Digital pelo BCB, como meio de pagamento, a fim de dar suporte à oferta de serviços financeiros de varejo liquidados por meio de tokens de depósitos em participantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

4ª Aplicação do arcabouço regulatório vigente às operações realizadas na plataforma do Real Digital, evitando assimetrias regulatórias.

5ª Garantia de segurança jurídica nas operações realizadas na plataforma do Real Digital.

6ª Observância a todos os princípios e regras de privacidade e segurança previstos na legislação brasileira, em especial na Lei Complementar no. 105, de 10 de janeiro de 2001 (sigilo bancário), e na Lei no. 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

7ª Desenho Tecnológico que permita integral atendimento às recomendações internacionais e normas legais sobre prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, inclusive em cumprimento a ordens judiciais para rastreamento de operações ilícitas.

8ª Adoção de solução tecnológica baseada em DLT (Distributed Ledger Technology) que permita:

  •  Registro de ativos de diferentes naturezas;
  •  Descentralização no provimento de produtos e serviços;
  •  Interoperabilidade com sistemas domésticos legados e com outros sistemas de registro e transferência de informação e de negociação de ativos digitais regulados;
  • Integração a sistemas de outras jurisdições, visando à realização de pagamentos transfronteiriços.

9ª Adoção de padrões de resiliência e segurança cibernética equivalentes aos aplicáveis a infraestruturas críticas do mercado financeiro.

Real Digital e Real Tokenizado

O projeto prevê a emissão do Real Digital pelo Banco Central, especialmente como meio de pagamento. O Real Digital também será tokenizado. A diferença fundamental para o dinheiro “digital” que já conhecemos (em cartões de crédito ou transferências bancárias digitais) é a tecnologia e a possibilidade de redução de custos. Além disso, a flexibilidade de programação é maior. Para o projeto piloto RD (Real Digital) serão empregados os seguintes ativos:

  •    Moeda de banco central oriunda:

a.      De contas Reservas Bancárias;

b.      De contas de liquidação; e

c.      Da Conta Única do Tesouro Nacional;

  •   Depósitos bancários à vista;
  •  Moeda eletrônica, na forma da Lei no. 12.865, de 9 de outubro de 2013; e
  • Títulos Públicos Federais.

Hyperledger Besu

A plataforma escolhida para o Real Digital foi a Hyperledger Besu, uma plataforma de registro distribuído que, segundo o Chefe Departamento de Tecnologia da Informação do Bacen, presente no evento de hoje, tem as seguintes características: 1) é compatível com EVM (Ethereum Virtual Machine) em rede permissionada; 2) Dá suporte à privacidade de transações e permite a incorporação de módulos adicionais; 3) É open source, ou seja, tem desenvolvimento ativo pela comunidade Hyperledger; 4) Existência de diversos fornecedores de TI, no Brasil e no exterior e tem 5) projetos em produção, porém não necessariamente iguais ao Real Digital.

Daqui pra frente

Na primeira fase de testes seria possível, por exemplo, adquirir títulos do Tesouro Nacional por meio da plataforma Real Digital, tanto em ambiente primário, como secundário. Outro caso citado como possibilidade seria o uso de dinheiro aplicado em poupança como garantia de empréstimo, tornando seu custo, inclusive, menor, uma vez que menos intermediários e maior liquidez de garantias são características deste tipo de operação.

O que tem acontecido no mundo de tokenização de ativos no mundo, de uma maneira geral, é a possibilidade de: 1) realizar operações em ambiente tecnológico seguro, de forma fracionária, mais rápida e com mais facilidades de programação viabilizadas pelos smart contracts; 2) reduzir o número de intermediários desnecessários, já que o berço desta inovação é o ambiente de DeFi (Decentralized Finance); 3) Aumentar a quantidade de acessos; 4) Atingir um público mais jovem, que já cresce com estes conceitos mais difundidos do que gerações mais antigas. O Bacen está estrategicamente posicionado nesta temática e seu foco é o mundo real e não o “mundo cripto”, neste primeiro momento. Inclusive, vale ressaltar que em 12/12/2022 foi criado o GTI (Grupo de Trabalho Interdepartamental) Tokenização para propor recomendações e avaliar aspectos relacionados às atividades de registro, custódia, negociação e liquidação de ativos financeiros em infraestruturas de registro distribuído (DLTs).

Já existem no Brasil tokenizadoras de ativos em pleno funcionamento que tokenizaram recebíveis de uma empresa de TI, receita de aluguéis de imóveis, recebíveis de securitizadoras, recebíveis de empresa de hospitalidade, incorporadoras imobiliárias e alguns outros casos.

Talvez os casos práticos ainda não estejam tão claros para os usuários finais pelos seguintes motivos:

1. O Real Digital estava em fase de testes internos e agora que a Hyperledger Besu foi escolhida, nos próximos dois meses o Bacen envolverá participantes do sistema financeiro nacional para amadurecimento da arquitetura de soluções.

2. O Banco Central é um órgão regulador e, ao longo do tempo, tem criado uma estrada pavimentada para que o empreendedorismo privado crie produtos adequados à infraestrutura escolhida.

3. Vários casos de uso (estudos de caso de empresas selecionadas) foram testados no LIFT Challenge e poderão ser acompanhados em abril de 2023, o que poderá ajudar a esclarecer outras formas como o Real Digital poderá ser utilizado, na perspectiva da iniciativa privada. 

4. A interface será dos prestadores de serviço, ou seja, bancos, corretoras e outros players do mercado financeiro. Da mesma forma como foram criadas áreas nos aplicativos de bancos para uso do Pix, é possível que exista algo similar para o Real Digital ou o Real Tokenizado.

É provável que em meados de 2024 a sociedade já possa ter mais clareza dos benefícios de mais esta novidade do Banco Central Brasileiro que, no fim do dia, está preocupado com uma maior bancarização, por isso tem apoiado a criação de fintechs e construído legislação neste sentido. O Bacen tem também procurado aumentar a democratização financeira, dado como o queridinho Pix é usado para pagamentos de qualquer tamanho hoje em dia, e segue na árdua tarefa de possibilitar mais facilidade de investimentos e acesso a crédito mais barato, sem perder a segurança e a transparência.

As mudanças no sistema financeiro nacional ocorreram de forma acelerada desde a estabilização da moeda. Não faz muito tempo, investir era algo para os muito ricos. As TEDs e os DOCs eram limitados, conforme seu pacote de serviços contratados. Hoje existem inúmeros produtos financeiros, com custos variados e liquidez diversa disponibilizados em muitos marketplaces. Existem os FIIs, os CRIs, os imóveis tokenizados. É possível contratar crédito de curto prazo com imóveis e veículos em garantia. É possível trocar o banco que financiou a casa própria por opção mais barata. Antigamente, o varejo só poderia antecipar seus recebíveis de uma forma; agora outras opções surgiram de maneiras mais estruturadas e mais baratas. Graças ao open banking – sistema financeiro aberto – é possível compartilhar o próprio histórico financeiro entre bancos, com o objetivo de buscar melhores e mais baratas alternativas financeiras, já que é possível analisar com mais clareza a capacidade de pagamento do cliente de uma maneira global.

Talvez não esteja tão longe pensar que os imóveis da sua família poderão estar tokenizados, o que poderia presumir um melhor planejamento societário e sucessório; que os aluguéis destes imóveis poderiam ser divididos da forma que foram adquiridos ou não; que talvez os recebíveis da sua empresa ou dos seus imóveis, caso estejam tokenizados, poderiam ser oferecidos como garantia de uma operação de curto prazo que a empresa ou família esteja precisando. Talvez não seja improvável pensar em possíveis mudanças que podem ocorrer no financiamento de projetos sociais ou mesmo no déficit habitacional. Quem sabe será mais fácil adquirir participações em uma propriedade fora do país e a sua previdência, com resgate planejado para daqui a 30 anos, possa ser usada como garantia do empréstimo para reforma da sua casa em 2025. A automação das regras de negócio e das formas de remuneração dos ativos, aliada à possibilidade de segurança tecnológica e jurídica, pode abrir espaço para muitas outras novidades, com as quais ainda não sonhamos.

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